Forrest Gump do cerrado

No último fim de semana (24 e 25/5), eu e Maria participamos da 1ª Corrida 24 Horas de Brasília. A corrida aconteceu em um percurso de 4 km no Parque da Cidade e a equipe Lo-rã estava em peso para correr as 24 horas previstas pela prova de 7h00 de sábado até 7h00 de domingo.

A prova poderia ser disputada em equipes ou individualmente. A maioria dos corredores optou por participar em uma das 27 equipes de revezamento inscritas. Destas, 4 eram formadas por atletas da equipe Lo-rã. No entanto, 11 corajosos (ou malucos mesmo) resolveram encarar sozinhos o desafio de virar o dia correndo. Entre os 11, a única mulher, Maria. Isso mesmo, a minha Maria. Detalhe: ela nunca havia ido além de uma maratona e a ideia de correr durante 24 horas, pelo menos pra mim, assemelhava-se a correr em um túnel escuro sem saída. Não sabíamos o que poderia acontecer, mas a qualquer sinal de perigo, ela se comprometeu a parar evitando assim arriscar a saúde. Mesmo assim eu seguiria o lema dos escoteiros: ficar "sempre alerta!".


Há um mês ela me perguntou o que eu achava sobre a possibilidade dela participar desta prova sozinha. No primeiro momento, fui imparcial, achando que com o tempo ela própria resolveria entrar em uma das equipes de revezamento. O tempo foi passando e uma semana e pouco antes da prova ela tomou a decisão: - Vou correr sozinha para testar minha resistência e saber até onde eu chego, disse ela. Eu a incentivei, mas no fundo fiquei bastante preocupado.


Um dia antes da prova, ela descansou e comeu bastante. Ela sabia que iria precisar de muita energia no sábado. Preparamos tudo: roupa, comida, bebida, isotônicos, remédios. A estratégia dela era fazer a prova em ritmo de trote, 6min30s/km, parar 3 vezes para comer e descansar e atingir a meta de correr 120 km. A minha estratégia era acompanhá-la de bike ou correndo dando o suporte necessário. Quando chegasse a minha vez de correr na equipe, pediria para alguém acompanhá-la.

No dia da prova, acordamos bem cedo e fomos direto para o local da largada. As tendas das assessorias já estavam prontas e o pessoal foi instalando barracas ao redor. Talvez tenha sido a única coisa que realmente não pensamos e que só não nos fez falta porque invadimos a barraca de um grande amigo, Salerno.

Os atletas largaram às 7h05 de sábado (24). Eu segui acompanhando a Maria que no começo teve um ímpeto de seguir os grupos de revezamento, mas logo logo se conteve e iniciou seu ritmo constante que manteria durante toda a prova. Pela manhã tudo funcionou muito bem. Pude acompanhar a Maria quase todas as voltas, mas descansei quando alguns amigos, entre eles o Júlio e a Carol derem o apoio.


Ao meio dia, depois de exatamente 5 horas ela fez a primeira pausa conforme o previsto. Até então, ela já havia dado 11 voltas, cumprido mais de uma maratona, porém faltavam outras duas. O mais sensacional foi o quanto ela demonstrava felicidade e alegria por estar fazendo aquilo. Ela chegou conversando, se divertindo. Após tomar um banho (gelado), trocar de roupa, ela recebeu uma boa massagem dos nossos colegas João e José, devorou um prato de macarrão e descansou um pouco mais de uma hora. Esta parada foi importante para que ela retornasse a saga.


No período da tarde, eu tive que dar atenção ao meu grupo, mesmo assim consegui correr 3 voltas ao lado dela. Apesar do cansaço seguimos conversando e brincando com os demais competidores. Naquela altura, próximo de completar a sua 20ª volta (aprox. 80 km), a equipe principal Lo-rã disputava volta a volta com a equipe Grancursos. Ambas as equipes, revezando seus melhores atletas, já haviam completado quase 50 voltas. Maria fez sua segunda pausa, pouco antes das 18h00. Novamente, tomou banho, trocou de roupa, fez massagem, se alimentou e descansou. Desta vez, demorou um pouco mais, cerca de 1h30.

Quando retornou, seu ritmo de corrida (pace) diminuiu. Já demorava um pouco mais, cerca de 30 min por volta, porém, sem reclamar foi seguindo igual a Dolly do desenho Procurando Nemo: "continue a nadar, continue a nadar...". Fizemos mais algumas voltas juntos e para distrair começamos a imaginar coisas nas árvores que íamos vendo, igual fazíamos com as nuvens quando pequenos. Vimos rostos, animais e outras coisas que não posso citar. Tudo na maior paz.

Exatamente à meia noite, ela fez sua terceira pausa após percorrer 112 km (28 voltas). De novo o mesmo ritual de banho, roupa, comida, bebida, descanso. Neste momento, enquanto ela descansava, tive a curiosidade de ver uma parcial do resultado. Para a minha surpresa e de alguns colegas de equipe, vimos que naquele momento, ela estava em 4º lugar no geral e bem próxima do primeiros colocados.

Após o último descanso, a madrugada chegou fria. Maria me disse que iria "somente" até os 120 km. Depois iria me assistir correndo, visto que ela não pode acompanhar nada do que estava acontecendo na competição dos revezamentos. Dei duas voltas e sucumbi ao cansaço. Maria não só atingiu os 120, como ainda teve forças para dar mais duas voltas, chegando aos 128 km (32 voltas).


Isso não seria possível sem o apoio da equipe Lo-rã, seja nos treinos, nas trilhas, nas competições, na torcida. A cada volta que ela completava, o pessoal aplaudia, fazia festa. Alguns chegaram a dar voltas juntos com ela. Realmente este grupo é uma família. Foi um fim de semana incrível.


Depois de uma semana, ainda continuo sem entender como ela conseguiu. E para a surpresa de todos, sorrindo. Vi muitos marmanjos, ultramaratonistas, caminhando a maior parte da prova. Alguns desistiram com 14, 15h de prova. Tirando as pausas, durante o tempo em que ela esteve na pista, eu a vi correndo durante todo o tempo, o que engradece ainda mais essa conquista.


Parabéns Maria, você é uma ultramaratonista!