Relato da Maratona de Tóquio (parte 2)

Em vários momentos da prova é possível ver ao longe a imponente Tokyo Sky Tree, a gigantesca torre de 634 metros que foi inaugurada em 2012. Ao realizar uma curva no bairro de Asakusa, aproximadamente no km 27, fui surpreendido com uma visão frontal e bem próxima da torre. Certamente, o ponto turístico que mais me chamou atenção durante a corrida.


O percurso é plano, mas duas ou três pontes (arqueadas) após o km 35 foram desafiadoras, nem tanto pela extensão, mas pela inclinação e o fato de serem próximas à chegada. Foi neste ponto que comecei a recitar mentalmente todos os meus mantras: "a dor é inevitável, sofrer é opcional", "você é uma máquina...", "continue a nadar, continue a nadar..."

Naquele instante, percebi que estava cada vez mais difícil acompanhar a Maria. Ela perguntou se eu estava bem. Respondi que sim. Daí em diante, fui vendo ela se distanciar. Simplesmente ela ligou o turbo e seguiu em um ritmo constante. Eu comecei a diminuir meu ritmo cada vez mais. Por incrível que pareça, os meus pés que eu não sentia no começo da prova estavam doendo como se eu estivesse andando em cima de pregos. Pedi muitas vezes que aquela sensação estranha de congelamento nos pés voltasse para que eu pudesse prosseguir. Pedi em vão.

Refraseando o escritor japonês Haruki Murakami, a cada minuto que passava uma parte do meu corpo subia ao palco como numa peça de teatro para reclamar, gritar bem alto para que eu ouvisse que tudo estava prestes a entrar em colapso. Primeiro foram os meus pés. Depois a panturrilha. Em seguida as minhas pernas. E assim por diante. Cheguei a olhar para uma das placas do posto médico e flertá-la. Imaginei os cuidados e mimos que receberia, mas fiquei com medo de ser levado a um hospital. Sei lá.

Enquanto isso eu tentava achar uma culpa. Deve ter sido a aclimatação. Com a temperatura beirando os 0°C e o fuso horário de 12 horas, em relação ao horário de Brasília, meu corpo não estava devidamente adaptado, por isso, senti cansaço e desgaste além do que estava acostumado. Ou então foi falta de musculação dos membros inferiores. Aquela altura pensava que deveria ter me empenhado mais na academia. Mas me dei conta de que o meu pecado foi o excesso de confiança. Coloquei um "salto alto" e subjuguei a distância. Achei que seria fácil. E agora estava prestes a desistir.

Foi quando um senhor, aparentando ter uns 70 anos, enxuto, passou por mim me chamando. Deve ter falado em japonês algo como "Vamos lá, está acabando" para me incentivar ou então "pau de rato" para abusar do fato dele estar chegando inteiro no auge dos seus 70 e eu me arrastando. No fundo eu acho que ele deve ter dito a primeira para me ajudar, mas me agarrei na segunda hipótese. Eu estava morto, então precisava me segurar em alguma coisa. Comecei uma competição de 2 km com o senhorzinho no final da Maratona de Tóquio. Eu tinha que chegar na frente dele. Acelerei e o segui. A uns 400 metros da chegada o passei. Acho que ele percebeu a minha intenção maligna e buscou forças, ou talvez nem tanto, para fazer um sprint digno de quem já correu dezenas de maratonas na vida. Não tive reação. Admirei aquilo e cheguei atrás dele.

Maria chegou 25 minutos na minha frente. Repito, 25 minutos. Ela estava radiante. Feliz com o feito. Eu me lembrei do meu técnico, Lorã. Ele me disse antes de viajar: "Você está indo para completar a maratona. Então só complete". Me confortei nas palavras dele e me senti orgulhoso por ter completado a minha segunda "major" do outro lado do mundo.

Horas depois da maratona, perguntei a Maria:
- Qual a próxima?
Ela apenas sorriu, marota.

"Senhorzinho japonês, não sei o seu nome, mas muito obrigado por me fazer voltar para a prova".