Eu sou maratonista

Eu sabia que seria difícil, mas até os ultramaratonistas, acostumados a grandes distâncias, disseram que sofreram bastante. O Mountain Do (MD) é uma corrida diferenciada. O elemento dificuldade faz parte desta série de corridas que também ocorrem na Lagoa da Conceição, Costão do Santinho, Canela, Campos de Jordão e Praia do Rosa.

Tudo começou em agosto quando o Erico, um grande amigo, passou o link do vídeo da corrida (já postei este vídeo num texto anterior). Empolgada com o vídeo, Maria fez a nossa inscrição somente me perguntando os meus dados pessoais, sem que eu soubesse do que se tratava.

- Amor, qual é o número do seu CPF? Qual o número do seu RG?
E eu respondendo. Quando perguntei o motivo ela simplesmente desconversava. E continuava:
- Se você fosse realizar um grande desafio correndo no exterior qual distância você escolheria (21 ou 42 km)?
- 42 né, respondi. Se for pra viajar pra longe então que seja em grande estilo.

Neste momento eu não me dava conta da encrenca em que eu havia me metido. Cinco minutos depois ela me disse que havia feito a nossa inscrição para a maratona no MD. Queria chorar, mas ao invés disso sorri amarelo e falei: - Ué, então vamos.

Em outubro iniciamos os treinos mais fortes, com o apoio técnico do Lorã. Vide o post Olha a onça!. E ontem percorremos os 42 km da prova, do qual fiz o seguinte relato.

Aqui no Deserto do Atacama, localizado a 2.400 metros de altitude, a prova de 42 km reuniu trechos de asfalto, estrada de chão, trilha, areia e dunas. A prova iniciou às 07:10 da manhã, pontualmente. Logo no início tive um problema sério com o meu Garmin. O relógio não registrava o pace (ritmo ou cadência). Somente tive a informação da distância e do tempo total durante toda a prova. Errei a configuração do relógio. Sem isso, não sabia exatamente se estava forte ou devagar. Tive que fazer contas e isso dificultou demais. Maria começou forte demais, me deixando pra trás e abrindo grande vantagem. Para vocês terem uma idéia, fui alcançá-la somente entre o km 17 e 18. Naquele momento ela estava em segundo lugar no geral feminino.

A corrida passou por lugares deslumbrantes e me arrependi de não ter levado uma câmera GoPro que estava no hotel. Fica a desculpa para voltar no ano que vem e filmar tudo. Passamos pelo Vale da Lua e o Vale da Morte, com direito a dois cânions, uma caverna e uma espécie de portal de pedra. Em alguns pontos tivemos ajuda do staff da prova pois tínhamos que literalmente escalar alguns paredões.

Eu e Maria continuávamos bem na prova. Duas mulheres haviam nos passado por volta do km 27 e Maria continuava em quarto. Seguíamos a um bom ritmo até que no km 31 chegamos finalmente às dunas. Ahhh, e essas dunas fizeram a diferença. Na verdade uma delas era tão alta e inclinada que se eu errasse uma passada no topo, creio que desceria rolando uns 700 metros. E ficaria lá embaixo esperando o socorro. As outras dunas eram menores mais um sobe e desce constante e chato. Difícil caminhar nessas condições, imagine correr. No fim das contas todos caminharam.

No km 34 havia um ponto de controle. Eu estava exausto. Aproveitei para me hidratar, comer e tirar a areia do tênis e da meia. Maria estava muito bem e saiu na minha frente correndo forte. Daquele ponto em diante eu não a vi mais na corrida. Segui em vôo solo para os últimos 8 km e não parei mais. Fiz um ritmo mais tranquilo porque senti bastante as dunas. Algumas pessoas chegaram a passar mal lá e precisaram de balão de oxigênio. Em alguns momentos fiquei repetindo o mantra: eu sou uma máquina, não vou parar. Em outros simplesmente tentava não pensar em nada e admirava a beleza do lugar. Tive dificuldades nos quilômetros finais e só fui acelerar o ritmo nos últimos metros. Quando fiz a última curva, já dentro de San Pedro, avistei o pórtico da chegada e Maria me esperando. A sensação foi indescritível. Fechei o punho e atravessei a faixa segurando o meu chip na mão, pois uma das partes se soltou no caminho. Um sentimento de dever cumprido, vontade de chorar, de sorrir, me preencheu. Não consigo explicar. Foi uma das melhores sensações da minha vida.

Quando o resultado final foi divulgado a alegria ainda foi maior. Maria ficou em nono no geral. E pegou pódio na categoria feminina de 30 a 39 anos, ficando em terceiro lugar. Eu fiquei em 76º no geral entre os homens e 19º na minha categoria.

Ficamos muito felizes com a nossa participação. Alguns amigos que fizemos aqui estão nesta vida (de corridas) há tanto tempo que já viajaram o mundo. Um deles, o Tadeu, já correu no Everest, Kilimanjaro, Antártica, Egito, China, Nova Zelândia etc. Ele completou ontem a sua 20ª maratona, sem repetir. E corremos juntos ontem boa parte do percurso. Agora eu posso dizer: eu e Maria somos maratonistas.

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